E ENTRETANTO PORTUGAL CONTINUA A ARDER (II)
(*) Carlos Galvão de Melo
Na minha anterior intervenção fui bastante claro em denunciar os crimes cometidos, nos últimos 25 anos, tanto por aqueles que pegaram fogo às florestas, como por aqueles outros que tendo o poder, a obrigação e a oportunidade de adoptar medidas capazes, senão de evitar os fogos pelo menos diminuir radicalmente os seus efeitos destruidores, nada fizeram, opuseram-se a que fosse feito, e ainda se permitiram agravar o que só por si já era muito grave, lançando na fogueira somas astronómicas do erário público, adoptando medidas, que talvez tenham enchido os bolsos de alguns, mas de nada serviram para defesa e salvaguarda dos bens que são pertença da Nação.
Durante os últimos 25 anos a incompetência tem sido de tal ordem e vulto que é lícito duvidar tratar-se somente de incompetência!
O passado passou e já nada o pode modificar, bem assim o presente: tratemos então do futuro, mas tratemos com tempo e não, como sempre tem acontecido, só depois de, em cada ano, a casa começar a arder.
Se queremos estar preparados em 2006, temos de começar desde já, hoje mesmo que amanhã já é mais um dia a menos: e não se julgue que vamos ter tempo de sobra para: definir claramente o que pretendemos; que aeronaves vamos seleccionar, dos variados modelos que felizmente já estão testados e disponíveis no Mundo Ocidental e Oriental; de quantas aeronaves vamos precisar; como as vamos organizar e distribuir no país; que pilotos e pessoal de apoio vamos escolher e quantos; estabelecer a legislação que inclua chefia e dependência da unidade aérea e a sua relação com a Organização Nacional de Bombeiros.
E depois de tudo isto feito ainda é preciso dispor de meses para instruir e treinar todo o pessoal: desde os chefes, passando pelos coordenadores, controladores e de um modo particularmente intenso o pessoal de voo.
Por aqui se vê que não é cedo demais começar desde já. E por aqui também se conclui que não pode este complexo problema ser apenas decidido e resolvido por políticos que nada sabem da matéria, nem têm obrigação de saber.
Entre nós só a Força Aérea dispõe de profissionais, conhecimentos e experiência para estudar e pôr em execução tão magna operação.
Por outro lado há que partir de dados realistas e não de utopias. Um exemplo: ouvi ao Ministro da Agricultura afirmar que iriam ser aplicadas sanções aos proprietários de florestas que não mantiverem os solos limpos de mato que, de facto, impedem a penetração dos meios terrestres contra incêndios. Senhor Ministro esta ameaça revela ignorância e eu vou explicar porquê.
Em tempos, ainda não muito distantes, quando eu me ocupava da floresta interior a uma quinta de família perto de Mangualde, muitos proprietários, em particular de pequenas fazendas, vinham até mim propondo-me a compra dos matos da floresta de cujo corte e colheita eles se encarregavam. Nesse tempo, e nestas circunstâncias, ganhava-se dinheiro com a limpeza da floresta: pelo que, naturalmente, elas se mantinham desobstruídas permitindo a livre circulação de pessoas e máquinas. Estes agricultores proprietários compravam os matos porque deles precisavam para adubo e fonte de energia.
Porém, hoje, adubo e os combustíveis vendem-se em sacos e bidons nas lojas da especialidade, já ninguém aparece a comprar mato.
Hoje, com a evolução dos produtos usados na lavoura e a subida, muito justa, dos custos de mão de obra, nenhum proprietário, a começar pelo Estado, limpa as florestas, por uma razão muito simples: se cortarmos e vendemos a floresta toda, a receita assim conseguida não é suficiente para pagar a mão de obra necessária para cortar e recolher todo o mato.
Como se sabe esta impossibilidade está na origem da obrigação de incluir o avião nos meios de combate aos fogos. De facto, hoje, só o avião pode, em tempo útil, atingir o fogo que surge no interior de densas florestas.
Mas para ser eficaz o avião tem de estar imediatamente disponível, porque só assim pode atacar o incêndio logo de início, enquanto é pequena fogueira. Alugar aviões quando o incêndio já avança em frentes de 10, 20, ou 30 Km, nada podem fazer. Chegado a esta fase nenhum meio humano apaga o fogo: este apaga-se por si quando nada já houver para arder. É o que vem acontecendo em Portugal desde há décadas: é o que este ano ainda não parou de acontecer.
No ano corrente já nada pode alterar a tradicional impreparação: os heróis e abnegados bombeiros vão continuar as suas lutas titânicas até à exaustão: nas quais os desastres nem sempre são evitáveis; e as florestas, as culturas e as casas isoladas ou povoados vão desaparecendo da paisagem provocando miséria e mais miséria.
Eu permito-me sugerir que, sem perda de tempo, se nomeie um grupo de trabalho liderado pela Força Aérea, ao nível do Primeiro Ministro, que estude o problema no sentido de equipar Portugal com o mesmo grau de eficiência dos nossos vizinhos europeus.
Infelizmente não mais vai ser possível conseguir as excepcionais vantagens económicas que foram conseguidas e prometidas ao Governo nos anos 80.
Agora e de futuro vai custar muito caro adquirir uma frota aérea eficaz: mas por muito que custe, custará menos que, ao prazer de criminosos protegidos pela inércia dos responsáveis, deixar arder ano após ano até à morte prematura este maravilhoso Portugal onde, mau grado tantos desmandos e incúrias, ainda é possível desfrutar de certa tranquilidade se comparado com as tempestades naturais e humanas que assolam a Europa e o Mundo. Deus ainda está com os Portugueses. Porquanto tempo?
(*) General Piloto Aviador com o Curso Complementar do Estado Maior.
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