INUTIL MAS CARO: COMO CONVEM À CORRUPÇÃO
(*) Carlos Galvão de Melo
Nas semanas que precederam a actual, escrevi três artigos sobre o crime continuado e sustentado que há mais de 30 anos tem estado, e continua, na origem e intensidade dos fogos que vêem sistematicamente devastando Portugal; e também um outro artigo acerca da intenção governamental de destruir a Base Aérea Nº. 2, situada na OTA, que é uma unidade em plena actividade, essencial ao perfeito funcionamento da Força Aérea no cumprimento da sua missão nacional, para edificarem um aeroporto não necessário e muito mal situado.
Parece que esses meus comentários foram bem compreendidos pelos bons portugueses, que ainda os há e agora pretendem que eu elabore crítica idêntica à cerca do comboio ultra rápido que se pretende venha a substituir o actual. Eu não disse que não mas, a verdade é que para esta questão não possuo conhecimentos nem experiência que me permitiram abordar, muito à vontade, os fogos, a Força Aérea e a Aeronáutica civil. Também não disponho de informação fidedigna quanto a custos, dificuldades e tempo para substituir a actual rede ferroviária pela nova.
Mas posso e é o que vou fazer, comparar os benefícios de tal meio de transporte com as carências ainda por resolver e que tanto afligem os Portugueses. Por muito rápida que venha a ser, na prática, bem analisado, este comboio ultra rápido, conseguirá economizar meia hora no trajecto mais longo. Comparemos então com as carências que impedem Portugal de se organizar como deve e progredir como é esperança angustiante da maioria da Nação.
– Será que essa meia hora vai permitir recuperar a autoridade perdida há mais de 30 anos, sem a qual os portugueses têm mal sobrevivido em completo caos, onde os que mandam mandam mal e os que deviam obedecer fazem ouvidos moucos perante leis e directivas que não aceitam?
– Será que essa meia hora vai permitir reduzir os 800.000 funcionários públicos para um número compatível com as dimensões e reais necessidades do País?
– Será que essa meia hora vai permitir acabar com a prática indigna de usar as Polícias como bode expiatório das asneiras dos políticos, e reduzi-los à nobre missão de garantir a ordem e segurança interna da Nação?
– Será que essa meia hora vai economizar uma elite reduzida de empresários a fazer progredir as suas indústrias acrescentando postos de trabalho capazes de absorver os milhares de portugueses sem pão e sem dinheiro para sustentar a família e educar os filhos?
– Será que essa meia hora irá resolver a situação escandalosa, anti humana, que é a dura realidade de, na grande Lisboa, vegetarem 13.000 famílias sem casa enquanto permanecem desocupadas 500.000 casas?.
– Será que essa meia hora irá substituir a frota aérea contra incêndios, vital à salvaguarda das culturas e dos povoados dispersos pelas serras e vales deste encantador País, vai finalmente ver a luz do dia, em consequência da meia hora ganha no transporte ferroviário?
– Será que essa meia hora vai acelerar o eterno julgamento dos pedófilos? Ou vai arranjar espaço nas prisões que em 1974 mal chegavam aos 2.000 reclusos e, agora, diz-se, ultrapassa os 14.000?
– Será que essa meia hora vai resolver o escandaloso défice acerca do qual todos mentem?
São leis que se inventam e não agradam a ninguém:
«São falências fraudulentas de que muitos patrões não prestam contas nem cumprem os mínimos impostos pelos mais simples sentimentos humanos com relação aos trabalhadores despedidos».
«São os acidentes nas estradas a que nenhum governo tem coragem de pôr cobro».
«São as dezenas de milhares de professores não tratados com a consideração devida ou simplesmente desempregados por não colocados onde fazem falta, a seu prejuízo e muito mais ainda a prejuízo da gente nova que resulta mal preparada para o futuro».
«É o escândalo dos ordenados de topo pagos por excesso a quem não presta e o escândalo dos ordenados mínimos que não tiram da miséria milhões de homens e mulheres».
«É a venda de património para iludir a verdade das contas».
«São as directivas de rigor desde logo furadas por aqueles a quem compete o exemplo».
«E tantas tantas mais carências que não cabe aqui mencionar».
Não será tudo isto muito mais importante e urgente solucionar que duplicar a velocidade de comboio em território tão pouco extenso: 800 quilómetros do extremo Sul ao extremo Norte?
E para terminar por agora… Caros senhores do governo, resolvam ou pelo menos tentem, resolver o que é vital para os portugueses, e depois quando tudo estiver resolvido, se vier a ser resolvido, então vamos aos luxos: carruagens recheadas de tudo o que é conforto rolando ao dobro da velocidade actual.
Construído antes do tempo esse comboio fantasma nascido da imaginação ignorante e ansiosamente esperado por aqueles que da corrupção tiram seus proveitos só vai produzir duas consequências: qual delas a mais nefasta:
– Criação de nova e largamente demensionada área de corrupção ao movimentar milhões;
– Agravamento do caos já existente por alargamento dos transportes públicos, o que fatalmente há-de acontecer durante os anos que vão demorar as obras de substituição ou reconversão das infra estruturas ferroviárias.
Até para V. Exa. Sr. Primeiro-Ministro: quando no futuro decidir abandonar o País por não poder suportar o calor dos incêndios, de que V. Exa. é parte muito responsável, desde já me atrevo a apostar que o acréscimo de velocidade do super comboio não o fará chegar mais cedo ao Kénya… ao safari que não o “safará” das justas críticas de que já é alvo.
Não tenho dúvidas de que esse super comboio, em Portugal, será completamente inútil.
MAS CARO: COMO CONVEM À CORRUPÇÃO
“Os espíritos de primeira ordem, que produzem as revoluções, desaparecem; os espíritos de segunda ordem que tiram proveito delas, permanecem”.
Chateaubriand
(*) General Piloto Aviador com o Curso Complementar do Estado Maior do Exército.
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