A NOVA ECONOMIA VAI TER FOME
Trata-se de um alerta de LESTER R. BROWN (**) – da entrevista feita por Géraldine Correia publicada no Público em 20 de Março de 2006 – pela sua indubitável importância e oportunidade do assunto, que tem ultimamente despertado as preocupações das mais variadas personalidades científicas mundiais e de alguns políticos ao mais alto nível, mas nem sempre com o devido reflexo na generalidade das populações do Planeta.
Transcrevemos os aspectos mais evidentes dessa entrevista aqui condensada em itálico:
Lester R. Brown, já considerado o guru do movimento ambientalista, defende o planeta com “unhas e dentes”. Recorda que existem muitos exemplos, na história, de civilizações que desapareceram: os Sumérios, porque o seu sistema de irrigação não funcionava e inundou de sal as terras cultivadas, os Maias, com a desflorestação e erosão dos solos, os habitantes da Ilha de Páscoa, não podiam fabricar mais barcos de pesca depois de cortarem todas as árvores. É o que nos espera…
Daqui a 20 anos, no máximo, se os componentes não mudarem, não sobreviveremos à destruição do ecossistema. A partir dos anos 50, a população mundial ultrapassará em muitos milhões a actual. Ao mesmo tempo, os recursos naturais entrarão na sua fase final de esgotamento.
Florestas dizimadas, desertos em expansão, stocks de pesca em baixa. Estamos a passar cheques em cobertura, e não há novas provisões na conta. A nova economia vai ter fome.
A destruição dos recursos já está a ter consequências dramáticas na agricultura.
Cada homem bebe em média quatro litros por dia.
Mas para produzir a sua ração diária de alimentos, precisa de dois mil litros.
O nível dos lençóis friáticos está a descer em todo o lado; uma evolução invisível que está a transformar o Texas, Kansas, Norte da China e regiões da Índia em terras secas e incultiváveis.
E depois temos a urbanização, que transforma todos os anos três milhões de hectares em estradas, edifícios e supermercados.
Nos últimos seis anos a produção de cereais foi cinco vezes inferior ao consumo, ou seja, temos recorrido a reservas.
A população mundial aumenta em 70 milhões por ano, por isso a produção por habitante já baixou 10 por cento.
Estamos a sair de uma era de abundância e entrar na de escassez.
É inevitável que os preços comecem a subir, e aí enfrentamos sérios problemas sociais.
A China já não é auto-suficiente em termos alimentares e já é o maior importador de trigo e soja.
Com uma má colheita, o mercado mundial terá de fornecer rapidamente toneladas e toneladas de cereais.
Muitos países do terceiro mundo que importam alimentação não poderão suportar o aumento de preços e haverá revoltas terríveis.
Falaremos então de independência alimentar e não de independência energética.
Os novos hidro-combustíveis vão roubar uma parte da produção agrícola.
A cana-de-açucar, beterrava e óleos diversos passarão a abastecer não só o mercado alimentar como o de bio-combustíveis, como o etanol e biodiesel.
A ecologia celebra esta alternativa à gasolina e os economistas celebram um novo mercado para a agricultura, mas num contexto de crise alimentar coloca uma alternativa terrível: será mais rentável vender e produzir bio-combustíveis para o terceiro mundo do que alimentar clientes pobres e as necessidades de produção podem mesmo acelerar a desflorestação.
Todavia já existem indícios da nova economia:
Nos moinhos de vento, na energia solar, iniciativas de reflorestação (as sementes estão plantadas em vários países).
De todas as formas de energia – eólica, por células solares, solar térmica, geotérmica, hidro de pequena escala, biomassa – o vento está a destacar-se.
Na Europa, que lidera nesta área, 40 milhões de pessoas obtêm electricidade de complexos eólicos.
A European Wind Energy Association prevê que, em 2020, metade da população, cerca de 195.000 milhões de europeus, consiga electricidade em casa através do vento.
É um a energia barata, inesgotável, bem disseminada, limpa e benigna para o clima. Nenhuma outra reúne estes atributos todos.
Mas, na verdade, de todos os recursos delapidados o nosso recurso mais escasso para sustentar o progresso económico é o tempo.
Com as mudanças climáticas estamos próximo de um ponto de não retorno
Seria tentador reiniciar o contador, mas não podemos fazê-lo: a natureza é o nosso cronómetro.
Estamos num momento decisivo.
Tal como outras civilizações do passado, podemos continuar os negócios como habitualmente e assistir ao declínio da economia e ao seu colapso…?
Ou, passar para um Plano B: a construção de uma nova economia e um novo Mundo.
Brown aponta três caminhos possíveis – Rescuing Planet Under Stress and a Civilization in Trouble:
Primeiro – uma restruturação da economia global para que possa sustentar a civilização;
Segundo – um esforço intenso para erradicar a pobreza, estabilizar a população e restaurar a esperança para conseguir a participação dos países em desenvolvimento;
Terceiro – um esforço sistemático para restaurar sistemas naturais.
Esta será a decisão da nossa geração, sem dúvida.
E vai afectar a vida na Terra de todas as gerações a seguir».
(*) Coronel de Cavalaria
(**) Lester R. Brown formado em Ciências Agrícolas, mestrado em Economia Agrícola e Administração Pública, é Presidente do Artº Policy Institute.
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